Neste momento, todos os canais de mídia abordam um assunto: o desastre no Rio Grande do Sul. E o programa Cemaden Educação, desastres socioambientais, contribui com o diálogo. Como se trata de um assunto complexo, é importante acessar fontes confiáveis e qualificadas para compreender tais fenômenos. Por isso conversamos com Pedro Camarinha, especialista em Mudanças Climáticas no Cemaden; e com a professora Sônia Zakrzevski, à frente de escolas no estado gaúcho e polinizadora no projeto WPD+++


O estado do Rio Grande do Sul está vivendo um grave desastre. Algumas regiões, como Porto Alegre, além do escoamento da água, agora, passam a conviver com outras preocupações: mais de 13 mil pessoas desabrigadas, sofrendo de estresse e outros problemas que afetam a saúde mental; e a propagação de doenças transmitidas pela água, como a leptospirose e hepatite. Em outras áreas, como nas cidades de Rio Grande e Pelotas, as chuvas continuam fortes, assim como o aumento do nível da Lagoa dos Patos, gerando pânico e inúmeras perdas à população. 

A situação é extrema, entretanto, não é inesperada. O projeto Brasil 2040: cenários e alternativas de adaptação à mudança do clima, composto por vários relatórios e encomendado pela Presidência da República há pelo menos 10 anos, já apresentava a possibilidade de chuvas acentuadas no sul do Brasil em decorrência das mudanças climáticas, além de chamar a atenção para a necessidade de sistemas de alerta e planos de contingência. 

Este documento reapareceu em uma série de notícias neste momento, com a denúncia de que seus relatórios foram engavetados e que o documento havia sido extraviado. Porém, existem ainda outros estudos publicados em 2015, 2016, 2017 e 2021 para todo o Brasil que já deixavam claro que o Rio Grande do Sul era um dos estados mais críticos em relação às inundações. Foi o que disse o especialista em Mudanças Climáticas do Cemaden, Pedro Camarinha, autor de grande parte dessas pesquisas, além de dois capítulos publicados no Plano Nacional de Adaptação (2016/2017), que apontavam para a mesma projeção:

Incluímos a necessidade de, primeiro, fazer estudos mais específicos para entender toda essa dinâmica nas diferentes regiões críticas do Brasil. E em segundo, ampliar a capacidade de enfrentamento dessas Defesas Civis, incluindo sistemas de monitoramento e alerta, fora todas as outras questões que tocam a parte de manejo de bacias.

Foto: Sala de Situação no Cemaden-SP

Pedro cita também ações em Educação Ambiental que foram mencionadas como necessárias para a capacitação e conscientização das populações para a prevenção dos riscos dos desastres. Entretanto, a grande parte das orientações dos/as especialistas, como Pedro, não foram devidamente consideradas. “Então, quando você junta todos esses elementos, uma predisposição climática conhecida, uma predisposição geográfica conhecida, uma vulnerabilidade muito grande, também do ponto de vista socioeconômico, tem muitos municípios que sabemos que, se eles fossem impactados, poderiam colapsar os seus sistemas principais de produção econômicos. E é o que está acontecendo nesse momento”, explica.

O evento climático

“Chuva é uma coisa, os impactos são outras”, começa Pedro Camarinha ao explicar sobre o evento climático que está ocorrendo na região sul do Brasil: “Os impactos vão sempre depender de características não climáticas. Tem a sua raiz, o seu gatilho no clima, da meteorologia, mas os impactos são sempre decorrentes das vulnerabilidades, do nível de exposição, das capacidades de enfrentamento, de adaptação e assim por diante”. 

A situação no Rio Grande do Sul, segundo ele, vai do micro para o macro. Iniciou no bloqueio atmosférico que se concentrava no Oceano Pacífico, criando uma condensação que formou essa zona de alta pressão, também chamada de onda de calor – como está sendo vivenciada no sudeste e centro oeste. Esta passa a agir como uma barreira para as frentes frias que vêm do Sul. Os movimentos naturais das frentes frias, que passariam pelo Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro e, eventualmente, Espírito Santo e Bahia, encontraram a barreira formada pelo bloqueio atmosférico e não conseguiram avançar. 

Por esse motivo, permaneceram no território gaúcho e catarinense a caminho do Oceano. Essa foi a configuração que impulsionou as chuvas, juntamente com as frentes frias que foram ocorrendo ao longo dos dias. “E só tem chuva se você tem um aporte de umidade vindo lá da Amazônia”, acrescenta. 

O aporte de umidade comentado por Pedro vem dos ventos que correm por cima do Brasil, passando pela Amazônia, até os Andes, chegando ao Rio Grande do Sul. É uma combinação de frente fria vindo debaixo com a massa de calor e alta pressão que não deixa as frentes frias passarem. Consequentemente, o calor também causa tempestades. De acordo com Pedro, esses são os ingredientes principais para o que vimos acontecer no Rio Grande do Sul no mês de maio e em muitos anos atrás, configurando-se como um acontecimento bastante comum para a região.

Aquecimento global

Se o bloqueio atmosférico, como explicou Pedro, é um fenômeno comum no Sul do Brasil, surgem as perguntas: mas por que choveu tanto dessa vez, causando enchentes e inundações? O que foi que mudou? São necessários estudos mais específicos, mas ao que tudo indica, são questões relacionadas ao aquecimento global. Praticamente, o que temos hoje é considerado uma anomalia de temperatura nos oceanos, ou seja, eles estão mais quentes que o normal em todo o mundo.

Em algumas regiões, isso não está tão evidente, mas é quase generalizada tal ideia. Os oceanos são os principais elementos que fazem o controle, o dinamismo do sistema climático. Com oceanos mais quentes, naturalmente, há mais umidade na atmosfera. Só que essa é uma atmosfera mais quente do que nunca.

Atualmente, vivemos o período mais quente da História desde os primeiros registros, com 1,6º acima dos níveis pré-industriais. Nunca antes tivemos essa capacidade de reter vapor de água na atmosfera. Só que essa retenção significa que, em alguns lugares, haverá seca – porque a água vem de algum lugar em volume e intensidade acima do normal – enquanto em outros, haverá enchentes e inundações – porque ela também tende a cair com mais volume. 

Para a maior parte dos/as especialistas, os próximos estudos poderão precisar o que, hoje, já temos pistas: que os fenômenos que estão ocorrendo estão relacionados aos efeitos das mudanças climáticas em curso, decorrente do aquecimento global

Sem ter condições de precisar a quantidade de emissões de gases de efeito estufa faz com que os/as pesquisadores/as tenham que trabalhar com diferentes cenários possíveis. No entanto, já sabemos que emitimos mais do que esperado pelos acordos realizados nos últimos anos, colocando todas as populações do mundo em condição de emergência climática. 

O compromisso do Brasil em relação à Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC) era reduzir entre 36-38% das emissões no ano de 2020, comparando aos dados de 2010. Nesse período, os dados apresentados no espaço Brazil Climate Action Hub da COP 27, mostraram que ficamos no limite. Em 2021, as emissões foram maiores que a meta de 2020. O Acordo de Paris pontua que o Brasil terá que reduzir 37% das suas emissões líquidas em 2025, e 50% até 2030 em relação a 2005. Tarefa extremamente sensível quando sofremos, ainda, a barreira do negacionismo. 

Negacionismo científico

Filmes como “Não Olhe pra Cima” (2021), de Adam McKay, ajudam a compreender os prejuízos do negacionismo científico. Cientistas avisando que a Terra seria atingida por um meteoro e as pessoas, céticas, sem levar a sério. Afinal, ninguém conseguia enxergar o meteoro. Para Pedro Camarinha, estamos vivendo o momento em que conseguimos ver uma pequena luzinha desse meteoro que está para chegar:

Essa conjunção de desastres dos últimos dois, três anos, principalmente, de forma absurda, com valores recordes, não só no Brasil, mas no mundo afora, talvez seja essa a primeira vez que estamos tendo maior clareza do que está por vir. Porque esse não é o final da história, é o começo da história, comenta Pedro. 

Para o pesquisador, os ingredientes climáticos – alta temperatura dos oceanos, causada pela emissão de gases, bloqueio atmosférico e outros – são necessários para levar a esses eventos extremos e o problema é que eles estarão cada vez mais disponíveis. 

Como mudar o cenário?

A professora Sônia Zakrzevski está à frente de escolas do município de Erechim, no Rio Grande do Sul. Formada em Ciências da Natureza, com mestrado em Educação e Doutorado em Ecologia, sempre esteve ligada à área socioambiental. Por este motivo, se interessou pelas formações do programa Cemaden Educação, tornando-se parceira e uma das polinizadoras do projeto Dados à Prova d’ Água na atual edição (2024).

Print do Dashboard no aplicativo do projeto WPD+++ da cidade de Erechim-RS, com mais de 20 pluviômetros artesanais instalados na região.

Junto aos/as professores/as e estudantes, passou a desenvolver uma série de atividades para a produção do conhecimento sobre o volume das chuvas na região e, antes mesmo do desastre oficialmente anunciado no final de abril e início de maio, por meio dos pluviômetros de garrafas PET, já tinha realizado as medições que apontavam para uma intensidade fora do normal com o seu grupo de escolas.

Erechim não sofreu tanto como as outras regiões do Rio Grande do Sul, um exemplo disso foi o fato de que nenhuma vida foi perdida durante o desastre. Por outro lado, sofreram outras consequências como pessoas ilhadas nas estruturas, como escolas e hospitais, e perda de moradias, como ocorreu em todo o Estado. A diferença fundamental, para ela, é a tradição da cidade em estudar os temas ambientais, incluindo tais conhecimentos no currículo dos/as estudantes.

Um dos nossos alunos ajudou o pessoal da Defesa Civil e a força voluntária aqui de Erechim. Ele fez um mapeamento de todos os pontos da cidade que tiveram alagamento para facilitar as buscas e a resiliência do território. E nós já estávamos também trabalhando com os dados do Cemaden, com pluviômetros que registraram as medições de volume das chuvas. De alguma maneira, o conhecimento e a conscientização da tragédia, coloca as pessoas no lugar de protagonistas, na defesa da própria família e do lugar onde mora. Saber o que está acontecendo faz uma grande diferença. 

Sônia explica que tais estratégias, a partir de agora, serão cada vez mais incorporadas ao currículo das escolas: “É o discurso da ciência que está entrando na escola. Muitas vezes eu ouço ‘o  Estado do Rio Grande do Sul é muito cético diante das questões climáticas’, mas isso começa a mudar a partir do momento em que repensamos o papel da escola, a escola como um espaço, um centro irradiador de conhecimento, a escola faz o conhecimento também chegar na família, na comunidade. Eu acredito muito nesse potencial da escola, os/as nossos/as jovens, hoje, são polinizadores/as, eles/as estão levando conhecimento adiante”. 

A fala de Sônia reflete a missão e o sonho do CEdu: promover uma cultura de prevenção e construir sociedades mais sustentáveis e resilientes. Para dar um passo na concretização de planos como esse, você pode conhecer as Jornadas Pedagógicas do Programa, como a que está sendo trilhada pela professora Sônia e o grupo de professores/as e estudantes no Rio Grande do Sul, a Pluvipet + App.