Objetivou-se com o presente estudo produzir um diagnóstico socioambiental, através da união de dados e informações, para conhecer e compreender questões locais que estão relacionadas à água, valorizando os diversos saberes de onde a escola está inserida, para elaborar, de forma participativa e com planejamento, ações coletivas para construção de um presente e de um futuro sustentável.

A pesquisa foi realizada com estudantes de 11 a 17 anos do ensino fundamental, anos finais, de uma escola de educação básica pública municipal de Lages-SC, por meio de estudo qualitativo, de natureza aplicada, descritiva e exploratória (GIL, 2008).

A revisão bibliográfica e o estudo da realidade local proporcionaram a percepção sobre o meio para o desenvolvimento da pesquisa. Os estudantes foram estimulados para que, através de entrevista, conversassem com seus avós, pais ou vizinhos como era a realidade da cidade a quarenta anos atrás, como está a situação hídrica hoje, quais problemas foram possíveis de serem observados e quais as possíveis soluções.

A partir daí várias atividades começaram a ser desenvolvidas, levando em consideração o que os alunos tinham observado. Cada turma escolheu um problema que poderia ajudar a solucionar ou ao menos amenizar. Ato contínuo, passou-se a estudar legislação, a realidade local e planejamento de ações práticas para minimizar os impactos ambientais.

 A educação democrática e crítica precisa levar em consideração todas as dimensões sociais, econômicas, culturais e sustentáveis, para a formação de cidadãos autônomos, como um processo abrangente e omnilateral que permita o enfrentamento de situações cotidianos (LEFF, 2001). No momento que foi iniciado o processo de reflexão na escola, pode-se perceber que muitos alunos não possuíam ideia da água que consomem, da falta de cuidado e preocupação com o meio, nem do consumo por meio de outros produtos, a chamada água virtual. O conceito de água virtual foi introduzido por John Allan, definindo como água incorporada no processo produtivo de qualquer bem industrial ou agrícola (BLENINGER et al., 2013).  

A discussão acabou levando à análise sobre o consumo no mundo capitalista, o que gerou muita discussão. A população vem sendo influenciada pelo consumismo, devido à facilidade para aquisição de produtos com um curto ciclo de vida (ALMEIDA et al., 2016). Após os questionamentos e a discussão reflexiva, os alunos entrevistaram familiares ou conhecidos, avós, pais ou vizinhos, sobre a realidade local de 40 anos atrás e como é hoje, quais foram os problemas ambientais relacionados à água que foram observados e quais eram as possíveis soluções.

 Um bom exercício para renovar nossa visão do mundo é, às vezes, trocar as lentes, para ver as mesmas paisagens com olhos diferentes. Isso significa “desnaturalizar” os modos de ver o que tínhamos como óbvios. Podemos fazer isso questionando conceitos estabilizados em muitos campos da natureza humana, criando, dessa maneira, espaços para novos aprendizados e para a renovação de alguns de nossos pressupostos de vida (CARVALHO, 2017, p. 25).

 Os alunos dos sextos anos descobriram que não chegava água tratada para muitos lugares da cidade, mas a água era bem mais limpa nos rios; no centro da cidade havia um poço; as pessoas usavam a água do tanque, um lago artificial central, para lavar roupa e se banhar; existia mais árvores, com rios mais limpos e maior qualidade de vida; a população era menor, haviam menos terrenos baldios; e as pessoas cuidavam mais do ambiente, pois sabiam que precisavam dele para sobreviver.

Os sétimos anos observaram que há 40 anos não havia rede de esgoto, poucas ruas eram pavimentadas, havia menos desperdício, o rio era mais limpo e existia menos poluição.

Alunos dos oitavos anos citaram que os entrevistados falaram que os peixes eram visíveis nos rios, pois a poluição era bem menor; existiam mais matas preservadas e, consequentemente mais nascentes; e a água era mais limpa naturalmente.

As pessoas que foram entrevistadas pelos alunos do nono ano afirmaram que há quarenta anos, tudo era mais limpo, com mais vegetação; o número de construções era menor; os rios não eram tão secos como são hoje; a temperatura do planeta era menor e a população também; havia mais emprego, mais limpeza, menos drogas e alguns consideravam a água tão limpa, que a ingeriam mesmo sem tratamento.

Ao conversarem com os entrevistados sobre os maiores problemas ambientais contemporâneos e suas possíveis soluções, os alunos do sexto ano mostraram que os problemas observados foram lixos nos lugares indevidos, alagamento dos rios por causa dos resíduos, falta de água, desperdício e esgoto a céu aberto. As possíveis soluções elencadas por eles foram ter hábitos saudáveis, usar apenas o necessário, espalhar mais lixeiras pela cidade, proteger a mata ciliar, conscientizar as pessoas, ter tratamento de esgoto e separar o lixo e destinar para o lugar certo.

Os alunos do sétimo ano observaram que existe muito lixo nos rios, alagamentos na cidade e valos com esgoto a céu aberto. Como solução propuseram conscientizar as pessoas que a água é finita e não jogar lixo nos rios e nas ruas.

No oitavo ano, os alunos elencaram em suas entrevistas como maiores problemas a demora para concertar vazamentos, desperdício, poluição dos recursos hídricos, lixo em lugar errado e esgoto a céu aberto. Apontaram economizar, conscientizar as pessoas, tratamento de esgoto, fiscalização, denúncia e responsabilidade do poder público como possíveis soluções.

Os problemas observados pelos alunos do nono ano foram falta de água, alagamento, esgoto a céu aberto, contaminação da água com óleo e outros materiais e poluição. Como solução os alunos falaram que precisam evitar o desperdício, preservar os rios, conservar as nascentes, não jogar lixo nas ruas, produzir propagandas de conscientização e utilizar a criatividade para aproveitar o óleo que contamina a água. Cada litro de óleo descartado indevidamente pode contaminar um milhão de litros de água (LUCENA et al., 2014).

Após as reflexões e conhecimento que foi exposto por cada aluno entrevistador, iniciou-se uma discussão sobre a legislação brasileira, onde a professora apresentou aos alunos e explicou o funcionamento do aparato legal, com o auxílio de recursos audiovisuais.

Pelo ordenamento jurídico brasileiro a constituição federal é o teto legal em termos de hierarquia. O artigo 225 da constituição federal de 1988 afirma que todos têm direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum (BRASIL, 1988).

Como o maior problema identificado nas entrevistas foi a água, discutiu-se com os alunos a lei n. 9.433 de 1997 que trata da Política Nacional dos Recursos Hídricos – lei das águas no Brasil (BRASIL, 1997). Nenhum aluno tinha conhecimento desta e de outras leis ambientais. Isso mostra a necessidade de implantar a legislação ambiental nos conteúdos programáticos das disciplinas.

As discussões e conhecimento acerca dos problemas ambientais proporcionaram o desenvolvimento de ações práticas, elaboradas por meio de conversa e da criatividade entre as turmas. Cada turma escolheu uma ação que poderia ter para solucionar ou amenizar os atuais problemas ambientais. Os acadêmicos aprenderam a trabalhar em equipe e a respeitar a opinião do outro.

Os alunos dos sextos anos decidiram falar sobre a importância da preservação da mata ciliar, estudando o novo código florestal e as áreas de preservação permanente entorno dos corpos hídricos e das nascentes. Eles fizeram maquetes para explicar para as outras turmas a função de uma área de preservação permanente (APP) na conservação da biodiversidade e dos recursos hídricos. Além disso, apresentaram também qual é a área de APP necessária em cada situação, conforme está disposto na lei da vegetação nativa (BRASIL, 2012).

Criar um livro sobre a lei das águas foi a solução idealizada pelos sétimos anos. Cada aluno ficou responsável por representar uma parte da lei em forma de desenho. Conhecer a legislação brasileira e levar essa informação para várias pessoas de diversas faixas etárias, de forma simples, é extremamente importante para o processo de conscientização. Discutir essas leis em sala de aula também foi muito construtivo. Foi tudo feito com muito carinho, pensando em uma pequena forma para contribuir na proteção do nosso precioso bem, a água.

Através do diálogo, muitos alunos do oitavo ano acabaram refletindo que precisam mudar primeiro suas atitudes em relação ao lixo jogado no chão. Um número significativo não havia pensado antes nesse impacto. Eles decidiram então, levar essa reflexão ao maior número de pessoas possível, ouvindo a comunidade por meio de entrevistas, produzindo um teatro e uma paródia para elaboração de um vídeo reflexivo. Além disso, decidiram usar os registros fotográficos da realidade local com falta de saneamento básico, observar os impactos ambientais e apresentar para um responsável da secretaria de obras e meio ambiente, para que alguma providência fosse tomada.

Os alunos do nono ano elencaram a conscientização como ação mais importante. Com o objetivo de levar a informação do uso racional da água ao maior número de pessoas possível, optaram por não produzir panfletos, pois seria mais um lixo que vai para a natureza, além da extração de recursos naturais. Decidiram produzir uma página no Facebook e levar essas informações ao maior número de pessoas. Um calendário foi definido e a cada semana três alunos ficaram responsáveis por produzir esse material digital.

Também produziram uma faixa e ir ao semáforo no dia da água (22 de março) para levar os motoristas à reflexão. A frase foi criada pelos alunos da turma “a água que você polui é a mesma que você consome!”. Ficaram muito felizes ao serem valorizados, importantes e aplaudidos por muitos motoristas. Além disso, reaproveitaram o óleo de cozinha, que possui densidade diferente da água e é responsável pela contaminação de muitos recursos hídricos, para produção de sabão, integrando as reações químicas e físicas que acontecem no processo de saponificação (ALLINGER, 1976).

 Com a conclusão das ações, foi possível perceber que os alunos tiveram a oportunidade de trabalhar em equipe e se sentir ativo no processo de ensino-aprendizagem. Foi realizado um evento na escola, onde a turma escolheu seus representantes para apresentarem as atitudes realizadas para a comunidade escolar. Além disso, a comissão do meio ambiente da escola foi instituída a partir desse dia, com a participação voluntária de muitos alunos da escola em projetos ambientais. Uma das ações foi realizada no dia da família na escola, com distribuição de mudas de plantas para as pessoas que fizessem boas ações comunitárias e ambientais.

 Todas as ações desenvolvidas contribuíram para a formação humana integral dos estudantes, com desenvolvimento crítico e autônomo.

REFERËNCIAS

ALLINGER, Norman. Química Orgânica. 2. ed. Rio de janeiro: [s.n.], 1976. 984 p.

ALMEIDA, Eliane Monteiro de; RODRIGUEZ, Martins Vicente Rodriguez y; DANTAS, Mario Antônio Ribeiro. Sistema de gestão de coleta seletiva em condomínios residenciais e treinamento ambiental, visando destinar corretamente os resíduos sólidos para a cadeia da reciclagem. Sustainable Business: International Journal. Niterói, p. 1-21, 2016.

ANA – Agência Nacional de Águas, 2017. Regulação. Disponível em: <http://www3.ana.gov.br/regulacao>. Acesso em: 22 ago. 2018.

BLENINGER, Tobias; KATIUCIA KOTSUKA, Luziadne. Conceitos de água virtual e pegada hídrica: estudo de caso da soja e óleo de soja no Brasil. Recursos Hídricos, v. 36, n. 1, 2015.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 05 out 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em: 10 ago. 2018.

BRASIL, 1996. Lei nº 9394, de 20 de dezembro de 1996, estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Brasil: 1996. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9394.htm>. Acesso em: 10 ago. 2018.

BRASIL, 1997. Lei nº 9433, de 08 de janeiro de 1997 a lei das águas, a qual institui a Política Nacional de Recursos Hídricos (PNRH), e cria o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos (Singreh). Brasil: 1997. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9433.htm>. Acesso em: 10 ago. 2018.

BRASIL. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO FUNDAMENTAL. Parâmetros curriculares nacionais: Meio ambiente, saúde. DP & A, 2000.

BRASIL, 2012. Lei nº 12651, de 25 de maio de 2012, dispõe sobre a proteção da vegetação nativa. Brasil: 2012. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9433.htm>. Acesso em: 10 ago. 2018.

CARVALHO, Isabel Cristina de Moura. Educação ambiental: a formação do sujeito ecológico. Cortez Editora, 2017.

GIL, Antonio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. 6. ed. Editora Atlas SA, 2008.

LEFF, Enrique. Epistemologia ambiental. São Paulo: Cortez, 2001. p. 118.

 LUCENA, Kaiane Pereira De; ALBUQUERQUE, Walker Gomes De; MOURA, Erika Fernandes. Alternativas ambientais: reciclagem do óleo de cozinha na fabricação de sabão. p. 08–14 , dez. 2014.